Filmes de streaming lideram favoritismo ao Oscar

Filmes de streaming lideram favoritismo ao Oscar

Fabiano Ristow
23 mar 22

Por vários meses, Ataque dos cães (Netflix) foi considerado o grande favorito ao Oscar, cuja cerimônia acontece no próximo domingo, 27. Mas, nas últimas semanas, a temporada de premiações gerou uma reviravolta. No ritmo do coração (Apple) venceu duas premiações determinantes: a do Sindicato dos Atores (SAG) e a do Sindicato dos Produtores (PGA). Os dois grupos, juntos, reúnem a maior quantidade de votantes do Oscar, colocando o drama na frente da corrida pela estatueta.

Foi uma virada bastante interessante, considerando que No ritmo do coração (CODA, no original) é um filme independente e com orçamento baixo (US$ 10 milhões). Mas certamente não foi inesperada. Quando passou pelo Festival de Sundance, onde ganhou o Grande Prêmio do Júri, o longa foi comprado por US$ 25 milhões pela Apple, um valor recorde até então. Ou seja, a plataforma de streaming viu o potencial na época e decidiu apostar alto. O investimento na campanha de divulgação nos últimos meses ajudou a emplacar a vitória no SAG, e, a partir daí, a atenção da imprensa, do público e da própria Academia se voltou a esta pequena produção sobre uma jovem filha de pais surdos.

Divulgação
'No ritmo do coração'

A virada de No ritmo do coração provavelmente também não seria possível se a Academia do Oscar não tivesse passado por uma profunda transformação nos últimos anos. Em busca de diversificar o perfil de seus integrantes, a instituição convidou centenas de artistas estrangeiros, não brancos e mulheres para compor seu corpo de jurados. A mudança permitiu que a Academia desse mais atenção a longas menores e diferentes daqueles que convencionou-se chamar de "filmes com cara de Oscar", alcunha normalmente atribuída a dramas grandiosos, acessíveis, biográficos e protagonizados por nomes famosos de Hollywood. O que o júri parece querer, hoje, é apenas uma boa história.

Moonlight, de 2016, um drama orçado em apenas US$ 1,5 milhão, talvez tenha sido o primeiro grande reflexo da transformação implementada na Academia. Anos depois, Parasita se tornaria o primeiro longa estrangeiro a vencer a categoria principal. Em seguida, veio Nomadland. E, agora, No ritmo do coração desponta como favorito. No fim, aos olhos do público, fica a mensagem de que a escolha é muito menos óbvia do que já foi um dia.

O efeito colateral é que o Oscar vem perdendo a sua audiência, ano após ano. Em 2021, a cerimônia teve a menor quantidade de espectadores de toda a sua história: apenas 10,4 milhões. A premiação, que um dia movimentou milhões de torcidas ao redor do mundo, viu a perda da popularidade, que já era uma dor de cabeça há anos, se transformar numa enxaqueca. Numa tentativa de reverter a situação, a Academia anunciou que oito prêmios técnicos ficarão de fora da transmissão ao vivo no próximo domingo. No lugar, serão apresentados pequenos vídeos pré-gravados. Além disso, haverá uma categoria inédita, a de melhor filme popular, que será escolhida pelo público por meio de hashtags no Twitter. Espera-se que, assim, filmes como Homem-Aranha - Sem volta para casa ganhem espaço na cerimônia.

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'Ataque dos cães'

É difícil dizer o quanto a nova atenção recebida por No ritmo do coração neste momento vai se refletir em reproduções no streaming, já que as plataformas raramente revelam números de audiência. No Brasil e no mundo, No ritmo do coração teve uma passagem limitada e discreta pelos cinemas. Aqui, onde foi distribuído pela parceria Diamond/Galeria, vendeu 27,8 mil ingressos em setembro do ano passado. No mundo, arrecadou apenas US$ 1 milhão.

Os outros oito indicados a melhor filme devem se destacar em outras categorias. Houve quem apontasse o japonês Drive my car como um possível "novo Parasita", mas, dado o desempenho na temporada de premiações, sua vitória parece estar mesmo restrita à estatueta de melhor filme internacional. E Ataque dos cães está com o prêmio de melhor direção praticamente garantido. Caso isto ocorra, Jane Campion se tornará a terceira cineasta a vencer a categoria, depois de Kathryn Bigelow (Guerra ao terror) e Chloé Zhao (Nomadland).

Dito tudo isso, o faroeste da Netflix não está totalmente fora do páreo. No ritmo do coração, afinal, pode ser vítima de um fenômeno raro, mas não inédito: em 2007, Pequena Miss Sunshine também venceu o PGA e o SAG, e acabou perdendo o Oscar. De qualquer forma, sendo um ou outro, provavelmente teríamos a primeira edição em que um filme de streaming sairia como vitorioso máximo.