Indústria audiovisual brasileira está dividida pelo PL 8.889

Indústria audiovisual brasileira está dividida pelo PL 8.889

Rodrigo Saturnino Braga
04 nov 25

Imagem destaque

Fernando Frazão/Agência Brasil

Ato em frente à Agência Nacional do Cinema (Ancine), no Rio de Janeiro.

 O deputado federal Doutor Luizinho (PP-RJ), relator do substitutivo do PL 8.889/17 que dispõe sobre a regulação do mercado de VOD, realizou alterações no texto original após entendimentos com lideranças do setor audiovisual, com representantes do Ministério da Cultura (MinC) e com a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Análises mais detalhadas e cuidadosas da nova redação da proposta demonstram que a produção independente, base do modelo de negócios da indústria audiovisual brasileira, não está ameaçada. Ao contrário, o autor manteve o conceito de conteúdo brasileiro independente estabelecido na Lei 12.485 e MP 2228 e o ampliou a partir do conceito dos agentes relevantes. Em 2001, data da MP 2228, não havia plataformas de streaming e a lei não podia restringir a sua participação. A nova redação do PL atualiza a definição para proibir que a produtora de uma obra audiovisual brasileira independente seja coligada a um “agente relevante", definindo este (no Art. 4º, XI) como o próprio "provedor de serviço de streaming audiovisual". 

Essas análises basearam manifestações favoráveis à redação do relator: uma carta de apoio, assinada por 51 importantes produtoras independentes, foi enviada ao deputado Doutor Luizinho e ao presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB); e um documento divulgado pela Associação dos Artistas Livres (www.artistaslivres.com.br) pede a votação e a aprovação do projeto. 

Por outro lado, pronunciamentos contra o substitutivo foram verificados: atos foram realizados em três capitais, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, com o apoio de relevantes profissionais do audiovisual independente que assinam uma carta-manifesto endereçada até ao presidente Lula rejeitando o relatório; posicionamentos contrários foram divulgados pelas entidades ABRACI (Associação Brasileira de Cineastas), STRIMA (associação dos serviços de streaming que operam no Brasil), FICA (Federação da Indústria e Comércio doAudiovisual) e ABTA (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura).

O MinC, que chamou o parecer de "retrocesso", busca uma articulação de última hora e a intermediação do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. O diretor da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Paulo Alcoforado, divulgou, na manhã desta terça-feira, uma reflexão sobre o substitutivo na qual afirma que a proposta do deputado Doutor Luizinho "já produziu avanços importantes; nas cotas, por exemplo". E conclui: " A posssibilidade de votação deste projeto na Câmara é uma oportunidade que não deve ser perdida". 

A proposta pode ser votada nesta terça, mas uma clara e inédita divisão no campo da produção independente brasileira, a falta de articulação dos órgãos do governo federal e a pressão dos grandes agentes econômicos dificultam sua aprovação. Nesse cenário, é bem possível que o tema seja, mais uma vez, adiado.

É sempre bom lembrar que a primeira proposta de regulação foi elaborada pelo Conselho Superior de Cinema (CSC), no final do governo da presidente Dilma Rousseff, em 2016, e serviu de base para a proposta do senador Humberto Costa, ora em debate, após várias alterações. Em 2018, no governo do presidente Michel Temer, o CSC elaborou novo projeto, paralizado, entretanto, no Palácio do Planalto. Se a votação da atual proposta for, mais uma vez, postergada, é provável que o assunto só retorne ao Congresso em 2027, já com uma nova configuração do parlamento. Ou seja, 11 anos depois do primeiro projeto.

No início da tarde de hoje, o secretário-executivo do MinC, Márcio Tavares, enviou mensagem de áudio a diversos profissionais do audiovisual, relatando um encontro entre representantes do ministério e da Ancine, acompanhados pela liderança do governo na Câmara, com o deputado Doutor Luizinho. Os funcionários do governo apresentaram pedidos de modificação em pontos considerados importantes e obtiveram sucesso em alguns deles, embora não em todos. Segundo Tavares, foi atingido "o limite das possibilidades de negociação." Com o apoio da bancada governista, a votação deve ocorrer hoje e o PL, caso aprovado, seguirá para o Senado em caráter terminativo, ou seja, sua aprovação dependerá de aprovação pelas comissões da casa, sem necessidade de passar pelo plenário. Mas o secretário destacou que, mesmo depois de aprovado na Câmara, ainda há trabalho a fazer no Senado para "qualificar o texto" em outros tópicos.