Rangel quer pôr fim aos megalançamentos

Rangel quer pôr fim aos megalançamentos

Gustavo Leitão, de Buenos Aires
05 dez 14

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Divulgação

 

A polêmica em torno dos megalançamentos de blockbusters no Brasil está prestes a chegar ao fim. Pela força do consenso ou da caneta. Em Buenos Aires para representar o país no Ventana Sur, encontro de produtores e agentes de venda da América Latina, o diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), Manoel Rangel, revelou que os exibidores estão perto de assinar um acordo que vai limitar as estreias que ele chama de “predatórias”, pela alta taxa de ocupação de salas, deixando pouco espaço para outros títulos. A autorregulação seria o desfecho ideal para esse capítulo controverso. Mas não exclui outros. “Se o mercado demonstrar mais uma vez que não tem capacidade de enxergar um pouco além do interesse particular de cada empresa, a Ancine não vai hesitar em agir com seu poder regulatório”, afirma, em entrevista ao Filme B.

A discussão surgiu com o aumento do patamar de estreias das distribuidoras, tendência que vem ganhando força progressivamente no mercado brasileiro mas que em 2014 atingiu seu ápice por conta do conturbado cronograma cinematográfico. Graças à concorrência de grandes eventos como Copa do Mundo e eleições, as majors tiveram que adiantar seus lançamentos para os primeiros meses do ano, causando um engarrafamento de blockbusters.

Com mais competidores e menos tempo de rentabilizar seus produtos, os cinemas foram tomados por aberturas bem acima das mil salas, às vezes próximas do 1,5 mil - isso num circuito hoje em torno das 2,8 mil. “Nem na Europa nem na América do Norte isso acontece. Nos EUA, os lançamentos não passam de 10% das telas. Na França, de 15%. O México chega a 20%. Mas no Brasil nós atingimos situações de 60%, muito frequentemente de 45%”, diz Rangel.

Rangel faz questão de diferenciar “grandes lançamentos”, que considera saudáveis, dos “megalançamentos”, tidos por ele como prejudiciais ao mercado. Enquanto no primeiro as distribuidoras espalham seus títulos por uma maior variedade de complexos, na segunda a concentração se dá nas salas de um mesmo cinema. “Os megalançamentos geralmente giram em torno de 500 complexos, ou seja, desprezam outros 300 do circuito brasileiro. Isso tende a canibalizar a presença de outros filmes, tanto brasileiros como estrangeiros, e prejudica a todos. Mais do que isso, causa uma sensação de monotonia e homogeneização do mercado”, critica o diretor-presidente. “Se o cinema opta por se homogeneizar, perde a capacidade de competir com outros serviços audiovisuais que oferecem justamente variedade e customização, como o VOD, o DVD e a TV paga. Ele perde seu espaço nobre na sociedade”, completa.

Documento de exibidores deve ser assinado no próximo dia 10

O assunto vem movimentando as reuniões da câmara técnica, uma comissão formada por representantes de diferentes setores do cinema que desde o começo do ano debate questões atuais do mercado no Brasil a convite da Ancine. A reunião final será no dia 10 de dezembro, data da divulgação de um relatório com as conclusões sobre temas como a distribuição de conteúdo por satélite e a complexa engenharia do VPF, taxa para a digitalização do circuito.

Deste último encontro, deve sair também o documento de autorregulação dos exibidores com relação ao teto de ocupação das estreias. “Estamos trabalhando com a taxa máxima de 30%, com adaptações para os complexos menores. Achamos razoável, por exemplo, que um cinema de quatro salas tenha um mesmo título em duas delas. Por enquanto, posso dizer que mais ou menos 90% das empresas exibidoras em atuação no país concordaram em assinar o documento”, adianta Rangel.

Para Rangel, cinemas perderam controle sobre programação

Com o acordo, a agência pretende devolver ao exibidor a primazia da programação, que na opinião de Rangel foi em parte delegada às distribuidoras nos últimos tempos. “Se uma empresa de distribuição diz ao dono de cinema que vai colocar um filme em 50% de suas salas, ele deveria ser o primeiro a dar um freio. Mas eles aceitaram passivamente perder o controle da programação de seus complexos. Estão cedendo a uma tendência que sequer foi pensada estrategicamente. É mera reação tática, que se transforma em hábito, vira regra e acaba condicionando o mercado”, afirma o diretor-presidente. Segundo um levantamento da Ancine, essa tendência nem beneficiaria a economia da exibição: enquanto a ocupação de assentos das salas nos megalançamentos ficaria em torno dos 60%, nos grandes cresceria para 75%.

Para ele, é preciso retomar o modelo que trouxe de volta o público às salas na transição do cinema de rua para o multiplex. “Havia uma crise no mercado mundial na virada dos anos 80 para os 90, que foi superada pela multiprogramação. Temos que manter essa lógica. Mas hoje há grupos exibidores que já não estão exatamente no negócio do cinema. São máquinas de varejo”, diagnostica. No campo da distribuição, diz ele, também falta reflexão sobre os rumos do mercado. "Há muitas empresas pensando em como trabalhar melhor seus produtos e sua rentabilidade e poucos pensando na indústria. Uma companhia pode estar caminhando muito bem enquanto o mercado está sendo posto em xeque".