Após uma reunião que uniu representantes do Ministério da Cultura, da Ancine e do setor audiovisual, a Ancine divulgou uma
análise detalhada do novo relatório do projeto de lei 8.889/2017, com sugestões de aprimoramento ao texto do deputado federal Doutor Luizinho (PP-RJ).
Segundo o documento, com as alterações propostas pelo parlamentar "o fomento público perde expressivamente sua estratégia de desenvolvimento da produção independente, pois as plataformas ampliam desproporcionalmente sua possibilidade de decidir onde, como e com quem investir os recursos, com perda do foco na produção independente".
A análise diz ainda que "a redução das alíquotas, a ampliação da dedutibilidade e o modelo de autolançamento criam riscos múltiplos — fiscal, institucional e estratégico — comprometendo o caráter público do fomento e a previsibilidade do financiamento do setor". De acordo com o estudo, na versão atual a alíquota efetiva de contribuição para o fomento público deve cair para menos de 1%.
MinC e Ancine se posicionam contra a flexibilização dos investimentos diretos, que permite que parte significativa dos recursos seja usada para a produção de “conteúdos próprios” das plataformas, e a fragilização das cotas de conteúdo brasileiro — por conta do prazo amplo de transição e pela possibilidade de que obras cujos direitos foram cedidos a empresas estrangeiras sejam contabilizadas.
O Tela Viva noticiou que a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), numa reunião com Luizinho, também demandou mudanças no trecho do parecer que afirma que "a eventual cessão da titularidade dos direitos autorais patrimoniais referentes ao conteúdo brasileiro a entidades estrangeiras não descaracteriza a natureza brasileira da obra". A expectativa é que um novo texto, com alterações, seja votado na próxima semana.
Confira abaixo os principais pontos do posicionamento da Ancine sobre o substitutivo ao PL 8.889/2017:
- Recomenda-se a revisão das deduções, descontos e opções de investimentos diretos da CONDECINE-Streaming, de forma a assegurar o financiamento da produção brasileira independente.
- A produção comissionada não gera direitos patrimoniais nas mãos de agentes brasileiros, limita a autonomia criativa da empresa contratada para realizar a obra, e não é capaz de gerar um ecossistema audiovisual nacional sustentável. Observa-se, aqui, o risco de criação de “produtoras brasileiras” – que atendam aos requisitos legais de nacionalidade – criadas pelos serviços de streaming, voltadas à realização de suas obras de produção própria.
- O inciso III do art. 33-C permite o investimento pelas próprias plataformas para remuneração dos criadores de conteúdo brasileiros. Cabe notar que este é um custo já incorrido pelas plataformas de compartilhamento, e que apenas passaria a ser feito com recursos públicos.
- Ao se utilizar conceitos abertos de exclusão dos serviços e autodeclaratórios, abre-se uma brecha interpretativa para que plataformas digitais segmentem suas operações e evitem obrigações fiscais regulatórias, alegando caráter “não preponderante” do audiovisual.
- Destaca-se que o escalonamento das cotas até 9 anos para atingir o patamar mínimo de 10% adia consideravelmente os efeitos práticos da política pública. Sugere-se a redução do tempo de transição para 6 anos. Vale chamar atenção para o art. 7°, § 6°, que permite, para fins de cômputo da cota, o uso de obras cuja titularidade dos direitos patrimoniais tenha sido cedida, inclusive para empresas estrangeiras. Esta inovação flexibiliza o conceito de nacionalidade aceito para a política audiovisual e pode fragilizar a efetividade da cota.
- Recomenda-se o reestabelecimento da CONDECINE como opção de receita para custeio do orçamento da ANCINE. Esta medida visa garantir a manutenção das funções de regulação, fomento e fiscalização, num contexto de ampliação das competências legais, e de risco de contingenciamento de recursos.
- O art. 33, § 6° prevê que a apuração e recolhimento da CONDECINE-Streaming serão realizados pelo próprio sujeito passivo. A Agência aponta grande risco neste processo, de perda de controle da gestão fiscal desta CIDE, pelo Poder Público.
- A ANCINE defende a manutenção da alíquota da CONDECINE-Streaming em 6%, a exemplo do proposto na versão do PL 8.889/17, de maio de 2024, ou do PL 2.331/22 de julho de 2025.
- O Art. 4°, § 5° traz um rol de possibilidades de investimento pelo FSA, dos recursos oriundos da CONDECINE-Streaming. O fato é que o FSA já dispõe de legislação específica e estrutura de governança para tratar das hipóteses de destinação dos recursos que compõem o Fundo.
- Sobre as políticas de regionalização previstas no art. 4°, § 6°, I e II, sugere-se que essas regras sejam aplicáveis a todo o FSA, e não apenas à parcela de que trata a CONDECINE-Streaming, dadas as dificuldades operacionais em manter a identificação da origem dos recursos uma vez incorporados ao Fundo.