Nova política da Ancine resgata leis de incentivo

Nova política da Ancine resgata leis de incentivo

Ana Paula Sousa
20 jan 22

A diretoria colegiada da Agência Nacional do Cinema (Ancine) aprovou, esta semana, a liberação de R$ 72,1 milhões em recursos incentivados. O volume corresponde a 60% do total que foi liberado, em fomento indireto (ou seja, via renúncia fiscal), ao longo de 2021 (ver tabela abaixo). E dá boas pistas do desenho da política audiovisual em curso.

A nova leva de análises complementares, concluída na terça-feira 18, inclui oito filmes de ficção e nove documentários de longa-metragem, além de 20 séries e um reality showNesse todo, dois detalhes chamam a atenção.

O primeiro é a mudança no ritmo de análises de projetos feitos com incentivo fiscal que, assim como aqueles do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), vinham andando a passos de tartaruga. Em dezembro, foram aprovados 24 projetos, somando R$ 29,3 milhões. Agora, mais 38.

O segundo detalhe é o fato de que, do total de recursos liberados, R$ 30,5 milhões são relativos ao Artigo 3ºA, historicamente utilizado por emissoras de TV e operadoras e programadoras da TV Paga. O valor chama atenção porque os mecanismos de fomento indireto haviam perdido espaço na agência após o crescimento do FSA.

A “volta” das leis de incentivo

Haveria, então, um novo olhar sobre a política audiovisual sendo colocado em prática?

Procurado pela Filme B para responder a essa pergunta, Alex Braga, que está completando três meses no cargo de diretor-presidente da Ancine, enviou alguns comentários que ajudam a tatear as opções da atual diretoria.

“Os números confirmam o ritmo de retomada das produções e investimentos”, escreve ele. “Mais que isso, confirmam que as leis de incentivo devem recuperar sua relevância na política audiovisual. A eficiência desses mecanismos é historicamente comprovada em bilheteria e audiência.”

O streaming entra em campo

Quando perguntado, especificamente, sobre a relação entre o aumento de recursos advindos do Art. 3º A e do Art. 39 e as novas possibilidades de negócios abertas pelo vídeo sob demanda (VoD), Braga sinaliza que os mecanismos criados pela Lei do Audiovisual (1993) e pela MP 2228-1 (2001) estão, sim, sendo utilizados para nutrir as plataformas.

“É a partir dos mecanismos de incentivo que as programadoras começam a planejar lançamentos simultâneos de filmes e séries também nas suas plataformas de streaming”, afirma. “O interesse das programadoras nesse modelo de financiamento deve ser levado em conta na regulação do VoD.”

O Art. 3ºA prevê a aplicação de parte do imposto de renda devido por empresas estrangeiras na coprodução de obras brasileiras. Nesse contrato, o canal ou emissora adquire o direito de exibição da obra, e os direitos patrimoniais cabem à produtora independente. A lei não explicita qual deve ser a primeira janela de exibição do projeto, mas, entre as opções hoje existentes, não figura o VoD. 

A Filme B apurou que algumas produtoras têm solicitado a primeira exibição no streaming seguida da TV e recebido sinal verde da Ancine. Cabe lembrar que o Art. 3ºA pode ser usado em conjunto com o Art. 3º, voltado às distribuidoras.

O lugar do FSA

Nas declarações dadas à Filme B, Alex Braga procurou defender a ideia de complementaridade entre o fomento direto (FSA) e o indireto (incentivo). 

Entre as limitações das leis de incentivo, ele apontou a tendência à concentração, as barreiras para os iniciantes e o próprio teto por projeto, que ainda segue nos mesmos R$ 3 milhões de 2006 (a Ancine tem um estudo que aponta para a necessidade de ampliação do limite).

“Neste cenário, fica evidente a importância do FSA na política pública, potencializando o alcance e a capilaridade do financiamento ao setor audiovisual”, afirma, acrescentando que amanhã será lançado um edital para novos realizadores.