Sundance se curva a Amazon e Netflix

Sundance se curva a Amazon e Netflix

Redação
02 fev 17

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Divulgação

The big sick: Amazon desembolsou US$ 12 milhões

Se você é um realizador com foco nos grandes festivais internacionais de cinema, as chances são cada vez maiores de acabar numa mesa de negociação com um serviço de streaming. Este ano, o Sundance Festival foi a prova disso. Netflix e Amazon lideraram as aquisições, adicionando uma série de vistosos (e bem remunerados) filmes da programação aos seus catálogos.

O volume e os valores pagos mostram que a tendência veio para ficar. A cada ano, as duas empresas rivais do video on demand (VoD) estão mais dispostas a entrar no páreo com as distribuidoras tradicionais pelos títulos de maior burburinho dos festivais e com mais agressividade na negociação de preços.

Desta vez, o caso mais exemplar foi o thriller I don’t feel at home in this world anymore, vencedor do grande prêmio do júri do Sundance. A Netflix embarcou no projeto do estreante Macon Blair ainda na fase de desenvolvimento, durante a edição de 2016. Acabou financiando parte da produção, além de garantir seu lançamento em VoD – o filme estará disponível para assinantes a partir do dia 24.

Embora a empresa já estivesse presente nos festivais dos últimos anos, sua entrada nesse estágio embrionário dos projetos não deixa de ter ares de novidade. Sua primeira compra de repercussão, Beasts of no nation, de Cary Fukunaga, em 2015, aconteceu quando o filme já estava financiado e produzido. O drama de guerra depois ganhou prestígio nas seleções de Veneza e Toronto.

De olho no Oscar

Na edição 2016 do Sundance, a Amazon chamou atenção com a aquisição, por US$ 10 milhões, dos direitos de Manchester à beira mar, um dos queridinhos da temporada de prêmios deste ano. A Netflix apostou em um longa promissor na época, o histórico O nascimento de uma nação, de Nate Parker, que acabou nas mãos da Fox Searchlight, por US$ 17,5 milhões. (Depois de um caso de estupro envolvendo o diretor ressurgir, a bilheteria decepcionou e a esperada chuva de indicações do filme ao Oscar não veio).

Este ano, a Netflix já chegou a Park City levando a tiracolo I don’t feel at home in this world anymore e outros filmes de produção própria, como a ficção científica The discovery e a comédia Deirdra & Laney rob a train. No festival, arrematou o drama histórico Mudbound, com Carey Mulligan e Garrett Hedlund, de olho em potenciais prêmios. O longa era cobiçado pela A24 e Annapurna.

Já a Amazon derrotou a Sony e a Fox Searchlight e ficou com os direitos de The big sick por US$ 12 milhões. Produzida por Judd Apatow, a comédia romântica foi uma das novidades mais elogiadas pela crítica da safra do festival – no Rotten Tomatoes, o percentual de resenhas favoráveis é de 100%.

Inflação nos leilões

A entrada das duas companhias no cenário, com carteiras recheadas e vontade de ocupar o mercado, inflou consideravelmente as cifras dos leilões de filmes. Há três anos, o maior valor desembolsado no Sundance foi US$ 3,5 milhões, por Irmãos desastre. Hoje, com frequência passa dos US$ 10 milhões.

Um dos obstáculos para as plataformas de streaming, principalmente a Netflix, é a incerteza sobre a distribuição nos cinemas. Muitos títulos adquiridos pela empresa vão direto para o serviço de VoD. Para outros, são planejados lançamentos day-and-date (simultâneos), mas nem sempre os exibidores veem com bons olhos esse encurtamento de janelas. Foi o caso de Beast of no nation, que teve sua estreia boicotada por parte do circuito dos Estados Unidos.

Mesmo que o lançamento nos cinemas seja só para habilitar os filmes para a temporada de prêmios – pelos regulamentos, ainda é preciso estrear no circuito tradicional -, o fato é que essa filosofia pode prejudicar os negócios. A Netflix perdeu a disputa por O nascimento de uma nação, mesmo com um lance US$ 2,5 milhões mais alto, justamente porque a Fox Searchlight daria a possibilidade de distribuição theatrical, uma vitrine ainda importante. Para especialistas, é possível que essa estratégia seja revista em breve.

Amazon e as salas de cinema

A Amazon entrou nesse mercado com outra abordagem, garantindo aos players tradicionais que respeitaria o esquema de janelas consagrado, com intervalo de três meses entre a estreia nos cinemas e a chegada ao seu serviço Prime, de VoD. A companhia tem fechado parcerias com distribuidoras para lançar seus filmes nas salas de exibição primeiro, como fez com a Roadside Attractions em Manchester e na comédia de época Amor & Amizade.

Sem a pressão por resultados de bilheteria, já que o grosso de seu faturamento vem das assinaturas, as empresas de streaming ficam livres para arriscar mais. A tendência é que comprem mais quantidade e com focos diferentes, já que seu chamariz são os extensos catálogos. Especificamente, documentários são uma forte preferência do público, como ficou claro pelas aquisições das empresas no Sundance Festival, entre elas Teenager vs superpower, sobre um estudante chinês que liderou um protesto contra o governo (Netflix), e as quatro horas de psicodelia de Long strange trip, sobre a banda The Grateful Dead (Amazon).

Seja o que o futuro reserva, a presença das duas empresas de streaming nos festivais já aponta para dias bem diferentes nos negócios do cinema.