Videofilmes investe em núcleo de roteiros

Videofilmes investe em núcleo de roteiros

Thiago Stivaletti
25 ago 15

Imagem destaque

Stefania D'Alessandro/Getty Images

Walter Salles e Jia Zhang-ke na estreia de Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang no Festival de Roma

Uma questão tem inquietado Walter Salles: como aumentar a visibilidade dos filmes brasileiros nas novas plataformas on demand, que têm feito cada vez mais a cabeça do espectador. “Os filmes brasileiros saem dos cinemas e depois não são mais vistos. É preciso encontrar uma maneira de dar maior visibilidade a eles”, pensa.

Depois de uma produção internacional falada em inglês (Na estrada, 2012), ele rodou na China seu primeiro longa documental, que estreia no próximo dia 3: Jia Zhang-ke, um homem de Fenyang, sobre o cineasta chinês mais reconhecido do momento. Walter tornou-se amigo de Jia em 1998 no Festival de Berlim, ano em que venceu o Urso de Ouro. Em 2007, depois de debate com Jia na Mostra de São Paulo, começou a idealizar este filme e um livro sobre a obra do diretor de Em busca da vida (2006).

Junto com o documentário, Walter aproveita para relançar no Espaço Augusta (São Paulo) e no IMS (Rio) três dos filmes mais importantes de Jia: Plataforma (2000) e Em busca da vida (2006), em cópias 35mm recém-restauradas; e Um toque de pecado (2013).

Walter finaliza atualmente dois roteiros de ficção – e tem planos para filmar um deles em 2016, no Chile, com elenco internacional. Mas prefere não revelar detalhes dos projetos. “Acho que, quando a gente fala de uma ideia que ainda está em construção, ela tende a não se converter em filme mais tarde”, explica.

Na entrevista ao Filme B, Walter fala dos próximos passos da Videofilmes, a produtora que fundou com o irmão João Moreira Salles e hoje conta com uma equipe de dez pessoas, divididas entre dois escritórios, em Ipanema e na Glória. Com a morte de Eduardo Coutinho, o maior documentarista brasileiro, de quem produziram oito longas, a Videofilmes voltou a investir num núcleo de desenvolvimento de roteiros, dos quais participam cineastas consagrados como Sérgio Machado (Cidade baixa), Eryk Rocha (Campo de Jogo), Sandra Kogut (Mutum) e Helvécio Marins Jr. (Girimunho), entre outros. O projeto foi contemplado com R$ 1 milhão no Edital de Núcleos Criativos da Ancine.

Como está hoje a Videofilmes? Houve uma diminuição no ritmo de produção nos últimos anos. Vocês pretendem voltar a investir em novos filmes, de novos diretores?

Nesses últimos dez anos, a produção de documentários da Videofilmes se concentrou nos filmes feitos por Eduardo Coutinho (oito no total), de Babilônia 2000 até Últimas Conversas, e nos documentários que meu irmão, João, dirigiu. E, também, os filmes dos quais participamos como, por exemplo Mutum, de Sandra Kogut, e Diário de uma busca, de Flavia Castro.
Também tivemos e continuamos a ter uma filosofia de apoiar projetos pequenos, sejam eles na captação de imagens ou na fase de montagem. Na área de ficção, voltamos a criar um núcleo de desenvolvimento de roteiros, do qual participam Sérgio Machado, Eryk Rocha, Flavia Castro, Marcelo Gomes, Karim Ainouz, Sandra Kogut, Eduardo Bueno, Helvécio Marins Jr. e Gabriela Almeida.

Há cinco projetos em desenvolvimento dentro da produtora que participam do núcleo, e dois projetos de coprodução com a Gullane, que são Arca de Noé [animação baseada na obra de Vinicius de Moraes] e Irmãos Freitas [sobre a trajetória dos irmãos Luis Carlos e Popó Freitas, campeão mundial de boxe], ambos com direção do Sérgio Machado . Em outras palavras, voltamos a ser bastante ativos – dentro das possibilidades existentes hoje.

O Brasil tem atualmente um leque de leis de incentivo e uma grande produção de longas, mas a janela de exibição é pequena. Como você hoje o cinema brasileiro como mercado, tanto para os filmes comerciais quanto os autorais?
 

O problema na exibição é, na verdade, histórico. Tínhamos 5 mil salas antes do desgoverno Collor.  Quando ele deixou o poder, sobraram apenas 700. De lá para cá, foi um lento processo de reconstrução. Temos hoje um pouco mais de 3 mil salas, quando o potencial de público no Brasil indica a necessidade de 2 mil salas adicionais. No clima de recessão atual, é difícil que essa demanda reprimida seja atendida.

Por outro lado, estamos sofrendo os efeitos perversos da tecnologia digital na exibição. Antes, com exibição em 35mm, uma cópia ocupava uma única sala de cinema. Hoje, um único DCP pode ser enviado para cinco ou seis salas de multiplex ao mesmo tempo. A tendência dos filmes serem cada vez mais descartáveis aumentou.

Esse é um problema que, alias, já existia no pós-Collor: quando lançamos Central do Brasil em 1998, mais de 90% das 700 salas brasileiras eram ocupadas por dois únicos filmes, Titanic e O homem da máscara de ferro.  O resultado é que Central saiu com 38 cópias, muito menos do que poderíamos ter tido se as condições de exibição fossem, naquele momento, corretas.

Alguns países como a França têm uma legislação que não permite que esses desequilíbrios aconteçam. Blockbusters não podem, por exemplo, anunciar na televisão. São leis que aos olhos de alguns podem parecer excessivamente restritivas, mas acho que, ao contrário, são extremamente positivas. São elas que explicam por que o cinema francês continua ocupando quase 50% das 7 mil salas do país, e também por que a frequência nas salas não para de subir.

Por que Jia Zhang-ke é um dos cineastas mais importantes para entender o mundo de hoje?

Nos últimos 20 anos, nenhum país sofreu transformações tão abruptas quanto a China, e nenhum cineasta refletiu essa terra em transe com uma sensibilidade tão aguda quanto Jia Zhang-ke. Em filmes como Plataforma, ele filmou a angústia do fim da adolescência e a passagem para a vida adulta, a crise de identidade e a solidão de personagens que sofrem os efeitos da transição abrupta da economia planificada para o vale tudo da globalização, e captou isso como ninguém.  É o que faz com que um jornal como o Le Monde o considere o mais importante cineasta em atividade - e não só na Ásia.

Por que a China, com suas transformações políticas e econômicas aceleradas, é um terreno fértil para produzir um cineasta como Jia Zhang-ke?

O cinema é, antes de tudo, o lugar onde podemos entender que o mundo é mais amplo do que imaginávamos antes de entrar na sala de projeção. Neste sentido, a China é hoje um laboratório extraordináriamente complexo, uma terra em transe.  Têm intensas contradições internas, uma matéria fértil para os filmes de Jia e outros cineastas. Nesse universo em ebulição, Jia se interessa pelo homem comum, pelos “não detentores de poder”, como ele diz. Essa é a matéria de seus filmes.  Seus filmes pertencem mas também redefinem o cinema humanista.

Como estão as coproduções da Videofilmes com a Argentina? Há alguma outra em vista, depois de Habi, A Estrangeira e Paulina?

Coproduzimos três projetos de Pablo Trapero, filmes com a excelente produtora Lita Stantic, e um longa do nosso amigo Gustavo Santaolalla, Café de los Maestros, dirigido por Miguel Kohn; além de Habi,  a Estrangeira, e agora Paulina, que ganhou prêmios da Fipresci e da Semana da Crítica de Cannes neste ano. É uma relação fértil, que pretendemos manter.